A EXPECTATIVA MATA NOSSOS RELACIONAMENTOS
O ideal é oposto ao real por definição. ‘Ideal’ é aquilo que existe apenas como idéia, aquilo que ainda não se realizou. Portanto, quando um ideal se torna real, ele passa a existir na realidade, e sua existência exclusivamente ideal é perdida. Se é possível ou não que um ideal se realize, isso não vem ao caso agora. Gostaria de chamar a atenção, ao invés, para o fato de os ideais serem formados sempre que começamos a conhecer alguma coisa ou alguém. Quando ainda não conhecemos bem alguma coisa ou alguém, sempre formamos uma idéia do que essa coisa ou esse alguém são. Assim, todo conhecimento inicial é formado mais por idéias do que por fatos, e quanto menor for a nossa familiaridade com os fatos, mais idealizado será nosso conhecimento. Se a idealização é mais intensa quanto menor for a familiaridade com os fatos, não há dúvida de que as pessoas mais jovens são as que mais vivem mergulhadas em ideais. E uma vez que a formação dos ideais compensa nossa pouca familiaridade com os fatos reais, eles exprimem a forma como nós imaginamos os fatos que desconhecemos. Não será surpresa descobrirmos que nós sempre imaginamos os fatos ou da forma que gostaríamos que eles fossem ou da forma que tememos que eles sejam.
Quando medos e expectativas são formados por uma grande dose de idealização, o contato com a realidade age diferentemente nuns e noutras. A realidade dissolve qualquer medo que só existe na imaginação. O difícil, muitas vezes, é aceitar o desafio de colocá-los à prova na realidade. Mas, o efeito da realidade sobre as expectativas é outro. Quando a expectativa é relativa a um ideal político ou social, é mais fácil preservá-la. Por mais distante que a realidade seja de nossas expectativas, é sempre possível acreditar que um dia o mundo e a sociedade que idealizamos se realizarão. E a realidade que vive nos dizendo o contrário apenas fará com que nos tornemos cada vez mais fanáticos na defesa de nossos ideais. Mas, quando a expectativa se dirige a outras pessoas, nem sempre é possível preservá-la. Com efeito, a pessoa que sonha com a sociedade ideal consegue preservar seu sonho por nunca ter tido a oportunidade de testar seu ideal na prática. Por sua vez, a pessoa que sonha com um ideal romântico também consegue preservá-lo sem problemas enquanto não o testa na realidade. Depois da primeira frustração, essa tarefa se torna cada vez mais árdua. Nesse ponto, surge a necessidade de que a recém-adquirida familiaridade com os fatos tome o lugar dos ideais, pois a função do ideal é justamente ocupar provisoriamente o lugar que deve ser ocupado pelos fatos assim que eles forem conhecidos. Ao processo de substituição dos ideais pela aceitação dos fatos podemos denominar ‘amadurecimento’. E, na falta do amadurecimento necessário, as expectativas que não conseguimos abandonar se transformam em desconfiança e amargura.
Quando não conseguimos abandonar as expectativas em relação aos outros, as constantes frustrações nos deixam desconfiados e amargurados. Mas, se não abandonamos nossas expectativas sobre as pessoas, continuamos a formar sobre elas uma imagem que não exprime o que elas são, e nessa condição não podemos dar elas o que elas precisam e também esperam de nós. Ainda que tenhamos a certeza de estar dando o melhor que temos para dar, não conseguiremos dar às pessoas o que elas precisam a menos que abandonemos nossas expectativas e aprendamos a conhecê-las. Se nutrimos expectativas sobre as pessoas, formamos delas uma imagem daquilo que elas devem ser e fazer. E se nossos relacionamentos são mediados por expectativas, é com essa imagem que nos relacionamos, não com pessoas reais. Aprender a conhecer as pessoas para dar a elas aquilo que elas realmente precisam nem de longe é garantia de que receberemos o mesmo em retorno. Mas, certamente é garantia de que reagiremos às frustrações com maturidade, pois quem aprende a conhecer as pessoas aprende a aceitar o fato de que elas podem sim nos machucar, e que ao nos relacionarmos estamos sujeitos a sofrer, mas também a sermos felizes. Só se torna desconfiado e amargurado aquele que não aceita o fato de as pessoas não serem a encarnação da perfeição idealizada por ele. Elas realmente não são, assim como nós, que as idealizamos tanto, também estamos longe de ser a perfeição idealizada por elas.